Título original:
Of Human Bondage (1915)
Sobre o autor: William
Somerset Maugham nasceu em Paris em 1874 de pais britânicos. Seu pai era
advogado e no setor de assuntos jurídicos da embaixada britânica em Paris.
Quando William tinha oito anos, sua mãe Edith Mary morre em
consequência da tuberculose e seu pai morre dois anos depois, de câncer. A
morte de Edith marcou profundamente a vida de Maugham, de tal forma que ele
mantinha uma foto de sua mãe ao lado de sua cama até o último dia de vida.
Com a morte dos pais, o jovem foi enviado ao Reino Unido
para ser criado por seu tio Henry, vigário de Whitstable, em Kent. Essa mudança
foi traumática para William, tanto pelo temperamento frio e cruel do tio, como
pelas humilhações sofridas na The King’s School, por ser de baixa estatura,
gago e pelo seu inglês ruim, uma vez que o francês sempre foi seu primeiro idioma.
Aos dezesseis anos, Maugham avisou ao tio que se recusava
definitivamente a continuar na King’s School. Então foi-lhe permitido ir para a
Alemanha, onde estudou literatura, filosofia e alemão na Heidelberg University.
Ao retornar à Grã-Bretanha seu tio arrumou-lhe um trabalho
num escritório de contabilidade, mas William não suportou mais que um mês nesse
local. Retornou a Whitstable onde iniciou novamente a procura por um emprego.
Seus irmãos mais velhos eram advogados ilustres, mas o rapaz recusou seguir o
mesmo caminho. Seguir carreira na igreja se tornou impraticável devido a sua
gagueira. Carreira no serviço público foi rejeitada por seu tio, pois
considerava indigno de um cavaleiro qualquer função pública. Então um médico
local sugeriu a William estudar medicina e ele concordou. Nos cinco anos
seguintes, ele estudou medicina na Hospital St Thomas, em Lambeth, em Londres.
Os anos como estudante de medicina foram considerados por
Maugham como de imenso valor em sua carreira literária: “vi homens morrerem, os
vi sofrer de dor, aprendi o que era esperança e medo...” Segundo ele, conhecer
pessoas das classes mais populares, que em outras profissões não teria
oportunidade de conhecer, pessoas em situações de ansiedade e desesperadas em
busca de ajuda, só serviram para melhorar sua percepção da realidade da vida.
Servidão Humana é classificada pelos críticos como uma das
novelas mais importantes do século XX. O enredo contém muitos aspectos
autobiográficos, embora o autor tenha insistido que a obra se tratava muito
mais de ficção que de realidade.
Em 1938, ele escreveu: "Realidade e ficção estão tão
mescladas em minha obra que agora, olhando para ela, dificilmente posso
distinguir uma de outra".
Sobre o livro: Servidão Humana pertence à
categoria “romance de formação”, ou seja, nele acompanharemos a trajetória do
protagonista e o conjunto de experiências que irão moldar sua personalidade:
conflitos familiares, traumas de infância, paixões, frustrações, ideais, perdas
etc darão forma à formação de seu caráter e visão de vida.
O romance é narrado em terceira pessoa, e relata a história
de Philip Carey, da infância até o início de sua vida adulta. Conforme passamos as páginas, vamos encontrar
paralelos com a vida do autor, com pequenas variantes.
Londres, 1885. Philip está com nove anos. Num dia triste e
cinzento, a criada entrou no quarto do garoto e o levou para ver a mãe. Ela
havia acabado de dar à luz um bebê que morreu logo após o parto e sua saúde já
abalada piorou. Uma semana depois ela estava morta.
O pai de Philip era um cirurgião e havia morrido alguns meses antes. Sozinho no mundo, o menino é então
levado por seu tio para uma cidadezinha chamada Blackstable, onde era o vigário
local. Era um homem de cinquenta e poucos anos, casado com Louisa há trinta.
Nunca tiveram filhos e ele não sabia muito bem o que era ter uma criança em
casa.
A nova vida de Philip em Blackstable obedecia às rotinas
ditadas pelo tio e religiosamente seguidas por sua tia Louisa. Apesar de não
entender nada de crianças, Louisa se esforça encontrar a melhor maneira de
tratar Philip.
Um belo dia, os Carey resolveram manda-lo para a escola. Foi
escolhida a de Tercanbury, ligada aos membros do clero e onde se procurava
despertar nos meninos a ambição de seguir a carreira religiosa.
Logo no primeiro dia, o aspecto da escola assustou o menino,
pois o alto muro de tijolos que circundava a escola dava-lhe um aspecto de
prisão.
Esse período foi muito difícil para Philip pois ele possuía
um defeito físico congênito: um de seus pés era torto e ele mancava ao andar,
além de não conseguir correr nem participar dos exercícios físicos. Os outros
meninos frequentemente o humilhavam e até mesmo o agrediam fisicamente. Philip
tornou-se horrivelmente sensível, vivendo em geral isolado, refletindo sobre a
diferença existente entre ele e os outros.
Dois anos depois, era um entre os três melhores alunos da
escola.
Aos treze anos, foi enviado para a King’s School, em
Tercanbury, uma instituição que orgulhava da sua antiguidade. Seus alunos eram
filhos da nobreza local e da burguesia que exercia as profissões liberais.
Após esses anos na King’s School, Philip convence o tio a mandá-lo
para a Alemanha pois o rapaz
passou a ter profunda aversão à escola, tendo perdido a ambição, pouco lhe
importando o sucesso ou insucesso.
Aos dezenove anos, deixou Heidelberg e retornou à casa de
seus tios. Conversaram muito a respeito de seu futuro. Philip recusava-se a ir
para Oxford, queria ir diretamente para Londres. Alguns dias depois, embarcou
para Londres a fim de trabalhar numa empresa de contabilidade. No início, o
trabalho no escritório manteve Philip interessado. Mas logo foi invadido por
uma grande tristeza e sentia pela primeira vez a humilhação da pobreza, porque
seu tio enviava quantias que mal bastavam para pagar o aluguel da pensão. Nunca
havia se sentido tão só na vida. Para passar o tempo, fazia caricaturas dos
colegas de trabalho. Um dia seu colega de trabalho perguntou: “Por que você não
estudou pintura? A única desvantagem é que a profissão não dá dinheiro.” Passou então a sonhar com a possibilidade e,
um belo dia, pediu demissão.
Após uma desagradável discussão com o tio, parte para Paris.
Matriculou-se numa escola de arte, onde concluiu que nunca deixaria de ser um
artista medíocre.
E assim, praticamente sem dinheiro e com seu pé equino,
retornou a Londres para iniciar a vida pela terceira vez. Na falta de opção
melhor, decide seguir a profissão de seu falecido pai e matricula-se na escola
de medicina.
Foi por essa época que se apaixonou por Mildred Rogers, uma
moça que trabalhava numa casa de chá. Ao ouvir seu nome pela primeira vez,
Philip pensou: “Que nome detestável”.
Mildred era vulgar, apresentava uma magreza e palidez
doentias. Ela se irritava facilmente e não era capaz de dizer uma palavra
amável. Mas apesar de todos os defeitos, Philip descobriu que estava totalmente
apaixonado por ela. No entanto, a moça o desprezava e finalmente acabou por casar-se
com um alemão.
Essa relação masoquista com Mildred acompanhará Philip por
muito tempo, bem como o desprezo que ela sente por ele. Há muitos pontos de
coincidência entre a vida do autor e a história de vida de seu personagem, mas
não há nada que se assemelhe à dependência doentia de Philip a Mildred. Ela não
possui nenhuma atrativo físico, ao contrário, é descrita como muito magra,
pálida, seios pequenos e quadril estreito, um tipo físico andrógino até mesmo
um pouco masculino. Alguns estudiosos chegaram a interpretar esse caso como a
expressão disfarçada da homossexualidade do autor e uma relação com um dos
amigos nos anos de juventude.
À medida que os anos vão passando, Philip passa por diversas
provações as quais o levam a um progressivo amadurecimento e autoconfiança.
A mensagem do romance é otimista, com a vitória sobre o
abismo moral que ameaçou levar o personagem à miséria e a idéias suicidas.
Conclusão: muito bom.